sábado, 25 de dezembro de 2010

Sessão de Hemodiálise 491



Um conto (atual e verdadeiro) de Natal

Não sou nenhum Charles Dickens, mas tenho uma história para contar impregnada do espírito natalino, com uma boa ação recompensada, uma grande coincidência que mais parece um “sinal dos céus”, um final feliz e um fundo moral edificante.

Foi assim:

Alguns dias atrás, eu e minha namorada pegamos um táxi naquele comecinho de noite para ir ao shopping ver um filme, nosso programa predileto. Cinema é nosso oásis. Quando estávamos saindo do carro, ela notou uma carteira no banco traseiro e, sabendo obviamente que não era nossa e nem poderia ser do motorista, devendo ser, portanto, do passageiro anterior, apanhou-a e me entregou, para encontrarmos uma solução. Era uma carteira de documentos, com compartimentos apenas para cartões. Apressamo-nos em abri-la para descobrir a identidade do infeliz proprietário, àquela altura já desesperado com a perda. Bastou uma rápida verificação para revelar cartões de crédito gold, vários; cartões de seguro saúde e de veículo; um American Express; carteira de motorista e uma folha de cheque em branco, abandonada, dando sopa. Ficamos imaginando a sorte dele por aquilo tudo ter parado em nossas mãos, e não nas de pessoas do mal. Afinal, o conteúdo perdido era suficiente para causar um aborrecimento, mas, em nosso poder, felizmente, não um prejuízo. Nem ficamos matutando inúmeras formas de devolver a carteira ao dono, a resposta era simples: procurar no Google pelo nome dele. Antes disso, conforme havíamos combinado, assistiríamos A rede social, filme que conta a história da criação do Facebook. Eu já conhecia o site por convites de amigos, mas nunca me interessara por ele, pois, para quem não se liga muito nesse tipo de coisa, um Orkut já está de bom tamanho. Pra que ficar colecionando perfis em redes sociais? Mas, naquela noite, depois de assistir ao filme do Facebook no cinema, coincidência das coincidências, fui forçado a entrar no Facebook pela carteira órfã que guardara no bolso do meu casaco durante toda a sessão: ao chegar em casa e digitar no Google o nome completo de seu dono (entre aspas, para uma busca exata), o único resultado exibido foi... o do perfil do dono dela no Facebook! Fazendo parte daquela mínima porcentagem de pessoas que não tenta encostar o queixo no cotovelo depois de ler o spam que diz não ser possível encostar o queixo no cotovelo, acabei entrando no Facebook não pela onda, nem por assistir ao filme do Facebook, mas para avisar o mais rápido possível o rapaz – pela carteira de motorista constatei que era um pouco mais novo que eu – que sua carteira estava comigo, para não lhe dar tempo de cancelar os cartões e depois ter de esperar pela emissão de novos. Era um meio garantido de entrarmos em contato, mas não o mais eficaz de lhe dizer que sua carteira estava a salvo, pois não recebi um retorno naquela mesma noite, apesar de ter passado meu e-mail no convite do Facebook. Então, no dia seguinte, durante a sessão de diálise, liguei para o corretor do seguro do automóvel dele, no número que constava no cartão (que era de outra cidade, ainda por cima, o que significava que ele já estaria imaginando que teria o maior trabalho em se deslocar até lá, para renovar a carteira de motorista e tudo mais), e expliquei-lhe a situação. Algum tempo depois, o dono – bastante educado e simpático – me ligou e sua voz já expressava a gratidão por alguém se empenhar em entrar em contato com ele por causa de seus cartões. Expliquei-lhe que só poderia entregar-lhe os documentos mais tarde, pois naquele momento estava impossibilitado devido à hemodiálise. Combinamos de nos encontrar naquele mesmo dia.

Mais tarde, depois de chegar em casa, almoçar e descansar um pouco, liguei para ele e passei meu endereço. Na noite anterior, conforme me explicou depois, estava atrasado para uma reunião no prédio de uma grande empresa distante de onde moro apenas uns dois quarteirões, e saiu do táxi a toda pressa, deixando a carteira de documentos para trás, como logo se deu conta. Tarde demais, entretanto, para perseguir o táxi que já sumira de vista, misturado ao tráfego intenso da hora do rush, e que me apanharia mais adiante.

Quando o interfone tocou e desci até o portão do meu prédio, avistei o rapaz de estatura mediana, bem vestido num traje social, com ar de alívio e uma cesta de Natal gigantesca nas mãos. Ainda pelo portão fechado, já fui logo entregando a carteira pela grade, achando que ele estava com pressa de voltar para o trabalho. Então, cumprimentamo-nos, e ele agradeceu muito o meu gesto, dizendo que qualquer outro em meu lugar nem se daria ao trabalho de fazer o que fiz. Expliquei-lhe que acabara adicionando-o no Facebook e ele disse que só chegou a cancelar um cartão, mas que nem era isso que o preocupava, a maior dor de cabeça seria mesmo a licença de motorista. No final, a surpresa: aquela fina e pesadíssima cesta de Natal, recheada de itens deliciosos, era para mim! Envergonhado e sem jeito, recusei-a enfaticamente, dizendo que não precisava mesmo, mas o amável rapaz insistiu pra valer e não tive remédio senão aceitar o apetitoso presente. De um acaso, ganhei um novo amigo.

A ele e a todos que acompanham este blog desejo um Feliz Natal e que 2011 nos chegue tão farto de coisas boas como a cesta que estou curtindo agora com minha namorada!

2 comentários:

  1. Xepa, adoro os seus textos.

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  2. Meu querido, que bom saber que em meio a tanto sofrimento e tristeza de vez em quando você encontra um pouquinho de felicidade...

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